Tela 50 x 70, com motivos florais (papoilas), toda pintada com pastas coloridas.
As papoilas são flores com algum prestígio literário, símbolo de um decadentismo rebuscado e suspiroso, próprio de quem se põe à margem do turbilhão da vida. Dos frutos imaturos de uma delas (Papaver somniferum) extrai-se o ópio, alucinogénio já conhecido na Grécia antiga mas de que o consumo só se vulgarizou no Ocidente durante a época vitoriana. O escritor Thomas De Quincey (1785-1859), que manteve o vício durante toda a sua vida adulta, descreveu nas suas Confissões de um opiómano inglês a agonia física e mental e a distorção do senso espacial e temporal provocadas pelo ópio. Apesar da letargia que tal vício induz, De Quincey deixou obra extensa ainda que fragmentária. Sherlock Holmes, outro opiómano famoso, conseguiu que esse hábito não interferisse com o exercício da sua profissão: como nos relata Watson, o ópio era tão só uma pausa escapista que o detective a si mesmo concedia entre duas investigações aturadas. Destes exemplos poderia talvez inferir-se a compatibilidade entre o ópio e uma existência normal e até produtiva, não fossem dois detalhes: De Quincey passou a vida a fugir de credores (pois naquela época quem não pagasse dívidas ficava preso até que as liquidasse); e Sherlock Holmes beneficiou da invulnerabilidade própria da sua condição ficcional. Mais perto de nós por ser português, e mais longe por ter sido em Macau que o seu destino se cumpriu, Camilo Pessanha (1867-1926) seria melhor cartaz em campanha contra o consumo do ópio (ou de derivados como a heroína): figuramo-lo, nos seus últimos anos, quase andrajoso, de olhar vazio, abandonado até pela poesia.
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